82 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº017 | FORTALEZA, 24 DE JANEIRO DE 2023 em relação a algum tipo de abuso praticado pela composição do interrogado; Perguntado respondeu que não ouviu a Sra. [A. G. C. L.] de ser agredida fisi- camente, ou molestada sexualmente; Perguntado respondeu que denunciaria qualquer tipo de conduta irregular praticada por qualquer um da composição, ressaltando que repudia esse tipo de comportamento […]”; CONSIDERANDO que, não obstante os acusados tenham buscado justificar o motivo da alteração na roupa da vítima alegado que ela teria supostamente pulado por cima do muro de um dos quintais, e, consequentemente, teria caído em cima de um gali- nheiro e, por isso, ficado suja, não restou confirmado por nenhuma das testemunhas inquiridas a hipotética existência do referido local nas casas por onde a vítima teria passado. Diversamente do que foi alegado pelos acusados, a Sra. A. G. C. L. afirmou categoricamente que, por mais de uma vez, antes de sofrer violência sexual, recebera a ordem para retirar totalmente suas roupas, a fim de ser submetida a uma pretensa busca de entorpecentes em suas regiões geni- tais (fls. 480/484), o que configura abuso e constrangimento; CONSIDERANDO que, demais de tudo que já foi dito, causa certa estranheza as alegações de que, conforme narrado pelos próprios aconselhados, a composição policial, estando envolta em uma situação de elevado estresse na busca por prender um suposto traficante, de alta periculosidade e foragido da justiça, possivelmente portando arma de fogo, tenha tido tempo de permitir e esperar que a Sra. A. G. C. L. tomasse banho e trocasse de roupa. Não se apresenta crível tal versão; CONSIDERANDO que, como dito anteriormente, percebe-se do contexto fático probatório que o CB PM Feitosa detinha completo controle de tudo que ocorreu no dia 13 de abril de 2016 nos locais pelos quais passaram, desde a abordagem inicial até o seu desfecho. Nesse sentido, embora estivesse motivado por um senso exacerbado de fazer justiça na busca por prender os criminosos que, possivelmente, assolavam aquela região e seus moradores, as ações por ele praticadas extrapolaram em muito diversos preceitos constitucionais, convencio- nais e legais, condutas com as quais não se pode transigir. Além disso, não satisfeito em se conduzir de forma ilegal e abusiva, ainda atuou para que o restante da composição por ele comandada praticasse também condutas eivadas de ilegalidades, na contramão das garantias e dos direitos que compõem o plexo normativo vigente no Brasil, especialmente na norma funcional própria, ou seja, na Lei n.º 13.407/2003 (Código Disciplinar PM/BM); CONSIDERANDO que, em respeito à norma processual, o CB PM Feitosa, estando diante de situação revestida de fundada suspeita envolvendo pessoa do sexo feminino, deveria, por medida de cautela, ter solicitado junto à CIOPS o auxílio de uma viatura disponível na área que tivesse uma integrante policial feminina. Entretanto, procedeu ilegalmente à busca pessoal na Sra. A. G. C. L., inclusive determinando que ficasse despida na frente dos policiais masculinos; CONSIDERANDO que o Código de Processo Penal – que regula os procedimentos pertinentes à busca pessoal – preceitua o seguinte sobre a busca pessoal em mulheres: “Art. 249. A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.” (grifou-se). Isso significa que um Policial Masculino pode, sim, realizar busca pessoal numa mulher caso não haja alternativa. Apesar dessa possibilidade, o procedimento geralmente é evitado ao máximo, pois sempre há a possibilidade de interpretações negativas quanto à atuação do policial masculino em contato com o corpo feminino numa busca, além do constrangimento causado à mulher; CONSIDERANDO que, convém salientar que, com relação à coronhada que a vítima disse ter sofrido, não se pode atribuir uma determinada autoria, posto que a própria declarou em sede de declarações perante a Autoridade Processante “[...] não sabendo apontar qual dos 02 (dois) policiais tinha efetuado a agressão”. É dizer, embora a agressão tenha sido de fato praticada, não há elementos suficientes para determinar, extreme de dúvidas, quem de fato cometeu o ato, o que não exclui as outras agressões; CONSIDERANDO que, demais disso, as testemunhas arroladas pela Comissão Processante, notadamente a Sra. A. H. P. dos S. (fls. 445/448) e a Sra. E. L. L. (fls. 449/450v), relataram que os policiais teriam solicitado um balde com água, ao que tudo indica para ser utilizado na sessão de afogamento. Além disso, relataram ter visto a vítima molhada e chorando após os fatos. Ao encontro disso, tais testemunhos favorecem a compreensão acerca da coerência e verossimilhança das palavras da vítima; CONSIDERANDO que, em relação à violência sexual, o Laudo pericial foi inconclusivo, embora, não tenha descartado de pronto sua ocorrência, visto que crimes dessa natureza nem sempre deixam marcas ou vestígios. Caminhou nesse sentido o entendimento da autoridade policial no ato de indiciamento dos aconselhados (fls. 249/259); CONSIDERANDO que, em sede de Alegações Finais (fls. 553/566; 567/574; 575/582 e 697/718), os defensores dos aconselhados, em síntese, alegaram total improcedência das acusações em decorrência da ausência de provas e inexistência dos crimes a eles imputados pela vítima, com supedâneo nos depoi- mentos testemunhais e nos laudos periciais carreados aos autos. Argumentaram ainda a incidência do princípio do in dubio pro reo em razão da insuficiência de provas da autoria e da materialidade, apontando possíveis contradições nas declarações da suposta vítima e nos depoimentos testemunhais. Por derradeiro, pugnaram pelo reconhecimento da inocência dos aconselhados, com as respectivas absolvições e o consequente arquivamento do feito. Tais argumentações foram devidamente analisadas e rebatidas de forma fundamentada pela Comissão Processante na primeira decisão (fls. 720/759); CONSIDERANDO que, mesmo ambos tendo se negado, em um primeiro momento, a se submeterem a exame para fins de comparação com as amostras biológicas coletadas da vítima durante o exame de corpo de delito, os aconselhados CB PM Feitosa e SD PM Régis, logo após o primeiro julgamento da Comissão Processante, tendo decorridos quase 04 (quatro) anos do ocorrido, peticionaram à Autoridade Instauradora mudando de ideia e requerendo a realização dos aludidos exames. Os supracitados aconselhados submeteram-se a exames de comparação, cujos Laudos Periciais n.º 2020.0069530 e n.º 2020.0069527, oriundos da PEFOCE, ambos realizados para identificação de perfis genéticos em caso de crimes sexuais, foram juntados, respectivamente, às fls. 813/815 e 816/818. Referidos exames, utilizando-se dos marcadores para o cromossomo “Y”, específicos dos indivíduos do sexo masculino e adequados para a análise de casos que podem envolver misturas, nas amostras extraídas dos “swab vaginais” encaminhados para exames, obtiveram perfis haplotípicos do cromossomo Y (LP 2016 06 002 4758), não coincidentes com os perfis haplotípicos identificados nas amostras referências dos aludidos militares, indicando a exclusão destes como produtores das amostras questionadas; CONSIDERANDO que, após regularmente intimados a apresentarem defesas finais complementares e diante da superveniência da aludida prova técnica, os defensores constituídos pelos quatro acusados apresentaram as peças defensivas complementares (fls. 848/872, 873/890, 891/908 e 909/911), no bojo das quais ainda incluíram Parecer Médico elaborado pela Perita Médico-legal Dra. Fernanda Nascimento Resende, CRM – 17266, no qual esta analisou as provas periciais e testemunhais documentadas no processo, em consequência do que apresentaram como pedido a reanálise da comissão reconhecendo a inocência dos processados face a improcedência das acusações, requerendo a alteração do parecer conclusivo com o consequente arquivamento do feito (fls. 873/908); CONSIDERANDO que, como dito alhures, a Comissão Processante, emitiu o Relatório Final n.º 272/2019 (fls. 721/759), acolheu as teses das defesas e, em decisão unânime, emitiu novo relatório em caráter complementar (fls. 1014/1017-v) alterando o entendimento anteriormente assentado, asseverando merecer prosperar os argumentos apresentados pela defesa no sentido de ausência de autoria e materialidade transgres- siva em relação às acusações de violência física e sexual; CONSIDERANDO que, de outro modo, a Comissão Processante entendeu que os aconselhados teriam deixado de providenciar para que fosse resguardada a integridade corporal da vítima ao permitirem que outros policiais militares praticassem agressões físicas contra ela, omitindo-se de denunciá-los aos seus superiores em momento oportuno, o que configuraria a prática de transgressão disciplinar prevista no Art. 13, § 1º, inciso III, da Lei n. 13.407/2003 (Código Disciplinar da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará). Segundo a Comissão Processante, ao deixarem de comunicar ao superior imediato ou, na ausência deste, a qualquer autoridade superior toda informação que tiver sobre iminente perturbação da ordem pública ou grave alteração do serviço ou de sua marcha, logo que tenha conhecimento, os aconselhados teriam praticado a transgressão disciplinar prevista no Art. 13, § 1º, inciso XXXVII, bem como teriam deixado de cumprir ou fazer cumprir as normas legais ou regulamentares, na esfera de suas atribuições, incidindo nas tenazes da falta disciplinar prevista no Art. 13, § 2º, inciso LIII, todos da Lei n. 13.407/2003; CONSIDERANDO que, de todo o exposto, impende asseverar que, a despeito dos resultados a que chegaram os exames, a autoria da violência sexual, tampouco das agressões físicas, não poderá ser afastada tendo por base apenas tais resultados em dissociação com o restante do contexto probatório, visto que a própria vítima relatou perante a Autoridade Policial e ratificou na presença da trinca processante que os aconselhados teriam praticado com ela atos libidinosos diversos da conjunção carnal mediante presunção de violência consistente na incapacidade dela de oferecer resistência às condutas dos agentes. Segundo ela, um deles a obrigou a realizar nele felação, ou seja, sexo oral, enquanto o outro teria tentando praticar coito anal, não logrando êxito em razão de certa dificuldade encontrada. Além disso, ainda conforme relato da ofendida, após os referidos atos, os policiais mandaram-na que tomasse banho objetivando fazer desaparecer quaisquer vestígios do ocorrido (fls. 226/227); CONSIDERANDO que o Laudo Pericial de exame de corpo de delito (fl. 53), a que foi submetida a Sra. A. G. C. L., apontou a existência de equimose no braço esquerdo e edema em região esquerda da cabeça da vítima (referente a possível coronhada sofrida pela periciada); CONSI- DERANDO que, em relação à individualização das condutas, possível inferir do conjunto probatório coligido aos autos o grau de participação dos envolvidos na consumação das ações transgressivas (fls. 226/227). Assim sendo, os policias militares CB PM Feitosa e SD PM Régis, em unidade de desígnios e concurso de crimes/transgressões, praticaram, sob violência e grave ameaça, as agressões físicas e sexuais cometidas na clandestinidade contra a senhora A. G. C. L.; CONSIDERANDO que, por ser tal transgressão praticada muitas vezes na clandestinidade, a palavra da vítima tem grande importância, desde que em convergência com as demais provas dos autos; CONSIDERANDO que, as provas amealhadas aos autos são tendentes a confirmar a tese acusatória em relação ao CB PM Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo e ao SD PM Paulo Régis de Oliveira, posto apontarem no sentido de que, além de terem praticado uma série de ilícitos penais, infringiram seus deveres funcionais ao violentarem física e sexualmente a vítima. De outra sorte, quanto ao SD PM João Victor Machado Firmino e ao SD PM Francisco Jales Renovato Júnior, restou comprovada a participação omissiva deles em parte dos fatos transgressivos ocorridos naquele fatídico dia 13 de abril de 2016. É dizer, o SD PM Firmino, que exercia a função de motorista da RD-1192, foi apontado pela Sra. A. G. C. L. como sendo o terceiro policial que adentrou o interior da casa de D., e que a referida praça, embora não tenha participado diretamente dos atos delitivos, teria inteiro conhecimento acerca do que ocorria naquele imóvel. Apesar disso, nada teria feito para impedir os atos abusivos praticados por seus companheiros contra a vítima, caracterizando, portanto, conduta omissiva. O aludido soldado, embora tenha negado veemente as acusações, assumiu no seu auto de qualificação e interrogatório que de fato esteve no interior da terceira residência acompanhado do CB PM Feitosa, do SD PM Régis e da Sra. A. G. C. L., além de uma equipe da Força Tática de Apoio (FTA) (fls. 533/536); CONSIDERANDO que a presença do policiamento da FTA no referido local em nada contrariou as informações prestadas pela vítima, tendo em vista que a Sra. A. G. C. L., em todas as oportunidades em que prestou declarações, mencionou a presença de outros policiais militares. Entretanto, disse que as outras viaturas saíram do local depois de não terem encontrado nada de ilegal, sendo que apenas a compo- sição dos acusados permanecera naquele endereço, o que se confirmou nos dados de rastreamento juntado às folhas 626/628; CONSIDERANDO que, no ato de qualificação e interrogatório, o SD PM Firmino declarou ainda que o SD PM Renovato esteve alheio aos atos praticados no interior dos imóveis, pois permaneceu guarnecendo a segurança da viatura durante as diligências realizadas na terceira residência, o que foi confirmado pelo próprio SD PM RenovatoFechar