DOE 24/01/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará

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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO  |  SÉRIE 3  |  ANO XV Nº017  | FORTALEZA, 24 DE JANEIRO DE 2023
por ocasião de seu interrogatório, quando afirmou “que permaneceu do lado de fora resguardando tanto a composição como a viatura” (fls. 540/542). Coadu-
na-se nessa linha as declarações da Sra. A. H. quando afirmou que tomou conhecimento, por meio de sua sobrinha E., de que haviam policiais defronte a sua 
casa impedindo a entrada de outras pessoas, motivo pelo qual não compareceu ao referido local onde a vítima se encontrava (fls. 445/448); CONSIDERANDO 
que a defesa aduziu haver contradições nos depoimentos das testemunhas quanto a identificação do motorista da composição ora investigada. Entretanto, os 
próprios aconselhados assumiram que o SD PM Firmino, que exercia naquele serviço a função de motorista, teria entrado em uma das casas, enquanto o SD 
Renovato, que era patrulheiro, permaneceu fazendo a segurança da viatura (fls. 533/536); CONSIDERANDO que, dessa forma, verifica-se que, em diferentes 
graus, o SD PM Firmino e o SD PM Renovato, conforme as condutas acima informadas, participaram da abordagem abusiva, onde uma mulher foi conduzida 
de forma coercitiva de uma casa para outra, tendo sido privada de sua liberdade por mais de uma hora, sem o acompanhamento de um familiar ou de qualquer 
vizinho, sob comando de uma composição que não permitia a aproximação de qualquer pessoa, de acordo com os depoimentos de A. H. e E. L. L. (fls. 
445/450-v); CONSIDERANDO que, da analise dos autos, percebe-se que a Sra. A. G. C. L. não era o alvo inicial das buscas dos acusados, sequer a compo-
sição ora investigada a conhecia e vice-versa, tampouco a encontraram em qualquer atitude criminosa ou mesmo portando algum material potencialmente 
ilícito. Em verdade, segundo os aconselhados, a pessoa procurada era um possível traficante conhecido por “Bucho”, o qual, segundo os acusados, seria 
possível foragido da justiça e que existia em desfavor dele um mandado de prisão pendente de cumprimento. Apesar de tudo, nenhum indicativo foi encon-
trado nas casas revistadas que comprovasse algum tipo de relação da vítima para com o suposto traficante; CONSIDERANDO que, não obstante a defesa 
tenha alegado que A. G. P. dos S. teria mudado a versão dos fatos por ocasião da sua oitiva no âmbito desse PAD, convém esclarecer que a citada testemunha 
não afirmou que os fatos não ocorreram, disse apenas que não viu como A. G. C. L. se encontrava após a abordagem, e que só tomou conhecimento do estado 
aparente da vítima por meio de sua ex-namorada, ficando ciente do ocorrido alguns dias depois através da própria vítima (fls. 626/628). Sobreditas alegações 
foram devidamente analisadas e refutadas fundamentadamente pela Comissão Processante na primeira decisão (fls. 720/759); CONSIDERANDO que o CB 
PM FEITOSA, o SD PM RÉGIS, o SD PM FIRMINO e o SD PM RENOVATO também restaram indiciados criminalmente nos autos do Inquérito Policial 
nº 323 – 17/2016 (fls. 249/259), sendo em seguida denunciados e tornados réus no processo penal nº 0016124-29.2016.8.06.0075, tramitando na 3ª Vara da 
Comarca de Eusébio/CE (fl. 546), o que fortalece a tese acusatória; CONSIDERANDO que, apesar do esforço argumentativo das defesas, encontram-se 
claramente delineado nos autos diversos elementos probatórios que comprovam a prática de transgressões disciplinares consubstanciadas nas ações de 
violência física, abuso de autoridade e de estupro praticados mediante conduta comissiva ou omissiva por parte dos aconselhados, tendo como vitimada a 
Sra. A. G. C. L., consoante as declarações por ela prestadas em diferentes ocasiões, corroborados pelas demais provas nos autos, notadamente as testemunhais; 
CONSIDERANDO que a tese suscitada pelos aconselhados, objetivando questionar a veracidade das acusações, aduzindo que a vítima, em conluio com seus 
familiares, teria formulado as graves denúncias no intuito de prejudicar o trabalho da composição no combate a ilícitos naquela região, não encontra susten-
tação. Ao contrário, não parece crível que a vítima tenha fantasiosamente inventado e sustentado por tanto tempo perante o Ministério Público, a Polícia 
Civil, a Autoridade Sindicante e a Comissão Processante, com riqueza de detalhes, uma denúncia caluniosa tão elaborada visando unicamente prejudicar os 
aconselhados. Não parece crível que a vítima suportaria o constrangimento de revelar os fatos para a família, na delegacia e no processo regular, sempre 
repetindo a mesma versão, se os fatos não fossem verdadeiros. Não há sequer indício de que ela tivesse a intenção de imputar falsamente as transgressões 
aos aconselhados; CONSIDERANDO que, em relação à pretensa falta de prova material, foram atribuídos aos acusados atos libidinosos diversos da conjunção 
carnal, que, comumente não deixam vestígios, de maneira que o resultado negativo dos exames de corpo de delito, por si só, não aproveita aos aconselhados; 
CONSIDERANDO que, antes, contudo, de expor as razões que orientaram a solução do mérito, calha assentar que, além dos 04 (quatro) aconselhados 
figurarem no polo passivo da relação processual estabelecida no presente processo regular, o objeto da acusação se divide em mais de um episódio; CONSI-
DERANDO que, em relação às transgressões relacionadas ao delito de tortura, de acordo com os autos, no dia 13 de abril de 2015, por volta das 16h00min., 
na localidade de Autódromo, município de Eusébio/CE, conforme declarações da vítima, os policiais militares acusados teriam desembarcado da viatura e, 
a pretexto de colherem informações acerca da localização de um indivíduo de alcunha “Bucho”, possivelmente envolvido com o tráfico de drogas, a teriam 
conduzido a um imóvel sito a Rua Guimarães Passos, onde passaram a constrangê-la com emprego de violência física na tentativa de localizar material ilícito 
ou de colher informação acerca do paradeiro do suposto indivíduo. Referidos fatos também foram registrados pela vítima na Promotoria de Justiça do Eusébio 
(fls. 73/74) e também foram ratificados em sede de apuração policial (fls. 104/105). Durante as diligências realizadas em ao menos três imóveis, nenhum 
objeto ilícito fora localizado; CONSIDERANDO que, dos mapas de rastreamento, percebe-se que no número de sequência 15 a viatura foi desligada e 
permaneceu parada por 41 min e 57 ss nas coordenadas lat -3º 53’ 50” e long -38º 27’ 47”. No sequenciamento de n.º 21, a viatura permaneceu parada por 
47 minutos e 59 segundos nas coordenadas de lat – 3º 53’ 46” e long 38º 27’ 50” (fls. 19; 89/99; 114/118; 626/628). Referidos dados de posicionamento, 
após consulta ao sistema SIGV, indicaram os pontos georreferenciados como sendo os endereços indicados pela vítima e pelos acusados, corroborado por 
consulta ao Google Maps (fls. 182/186). O que se coaduna com os depoimentos da vítima; CONSIDERANDO que os depoimentos da vítima prestados na 
fase inquisitiva e no curso do processo foram uníssonos em confirmar as agressões sofridas, de forma contínua e cruel, para que informasse a localização do 
indivíduo “Bucho” ou de possíveis drogas ou armas; CONSIDERANDO que a versão apresentada narra de forma clara e coerente a ordem dos acontecimentos 
e as lesões sofridas, restando cristalina a materialidade e a autoria transgressiva; CONSIDERANDO que a vítima, sob o domínio e a vigilância dos acusados, 
sozinha e sem possibilidade de reação, foi torturada e estuprada; CONSIDERANDO que os acusados, em linhas gerais, negaram o cometimento dos delitos 
em exame, alegando se tratar de denuncismo com o objetivo de retirar a equipe da área, que teria uma atuação eficaz no combate ao tráfico de drogas na 
região. Não prosperou essa tese; CONSIDERANDO que há infrações cujas provas são abundantes, flagrantes, saltam aos olhos, e há infrações cujas provas 
são escassas, tímidas, ficam às escondidas, de forma sub-reptícia. A tortura se insere na segunda categoria; CONSIDERANDO que, doutrinariamente, a 
prática da tortura é percebida como um crime de oportunidade (MAIA, Luciano Mariz. Do controle judicial da tortura institucional no Brasil hoje. Tese de 
Doutorado em Direito. Pernambuco: Universidade Federal de Pernambuco, 2006. Disponível em: https://apublica.org/wp-content/uploads/2012/06/DO-CON-
TROLE-JUDICIAL-DA-TORTURA-INSTITUCIONAL-NO-BRASIL-HOJE.pdf. Acesso em: 23 nov. 2022. p. 20), ou seja, ocorre em ambientes ou dinâ-
micas em que sua prática é favorecida pelo contexto, pelos agentes envolvidos e, especialmente, pela invisibilidade; CONSIDERANDO que não se pode 
deixar de esclarecer que a eventual ligação da vítima ao tráfico de drogas ou dedicação a atividades criminosas não é objeto do presente processo regular, e 
de forma nenhuma legitima o evidente excesso e crueldade das agressões perpetradas a pretexto de um bem maior, qual seja, a segurança pública. Como 
agravante, as agressões ocorreram durante abordagem policial; CONSIDERANDO que o ordenamento jurídico pátrio encontra-se norteado primordialmente 
pela dignidade da pessoa humana, princípio síntese de uma série de valores existenciais, os quais o Estado tem por fundamento a fim de que se estabeleça 
uma sociedade livre e justa, em que atos nefastos como a tortura são repudiados, mormente diante da degradante situação na qual subjuga o ser humano; 
CONSIDERANDO que, pelo que se extrai dos autos, a vítima foi submetida à tortura mediante a prática do método ilícito de interrogatório conhecido como 
“submarino” (“waterboarding”, em inglês), que consiste em simular o afogamento da pessoa, submergindo-a de várias maneiras na água. A vítima sofreu 
atos de tortura física e psíquica, por meio da simulação de afogamento conhecida como “SACO D’ÁGUA” (subjugação por afogamento) sob a ameaça de 
ser ilegalmente presa ou sofrer coisa pior, inicialmente com o fim de obter informações sobre a localização de “Bucho” e de integrantes de facções criminosas. 
Na sequência dos atos de tortura, foi submetida a agressão sexual; CONSIDERANDO que, segundo estudiosos, essa técnica tem duas variantes: o “subma-
rino seco” e o “submarino molhado” (SANTANA, Geane da Silva. O teatro sem fronteiras de Aristides Vargas: memória e exílio na América Latina. 2019. 
Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos 
da Linguagem. Natal: 2019. 104 f. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/27772/1/Teatrosemfronteiras_Santana_2017.pdf..Acesso 
em: 23 nov. 2022. p. 67); CONSIDERANDO que o “submarino molhado” consiste em algemar a pessoa e introduzi-la de cabeça em um tanque com água 
salgada, urina ou outro líquido, com as pernas suspensas para cima até que ela comece a se afogar; CONSIDERANDO que o Protocolo de Istambul (Manual 
para a Investigação e documentação eficazes da Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes) do Alto Comissariado das Nações 
Unidas para os Direitos Humanos, trata da prática da “quase asfixia” no ponto 7 (ONU. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. 
Protocolo de Istambul: Manual para a investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. 
Nova Iorque: ONU, 2001. p. 62): “[…] A quase asfixia por sufocação é um método de tortura cada vez mais comum. Em geral não deixa quaisquer vestígios 
e a recuperação é rápida. Este método de tortura foi tão utilizado na América Latina que a sua designação em espanhol, submarino, se tomou pane do voca-
bulário dos direitos humanos. [...]. Esta forma de tortura é conhecida como “submarino molhado […]”. (grifou-se); CONSIDERANDO que, partindo-se da 
premissa de que a acusação em desfavor dos processados adequa-se, em tese, a uma transgressão equiparada ao delito de tortura, temos que, analisando-se 
o caso, mutatis mutandis, à luz do entendimento que se daria na seara penal, posto compartilharem da mesma ratio juris, conclui-se que os 04 (quatro) PPMM 
praticaram condutas distintas, tendo o CB PM Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo e o SD PM PAULO RÉGIS de Oliveira participado do fato de maneira 
comissiva (ativa), e os outros dois – SD PM Francisco Jales Renovato Júnior e SD PM João Victor Machado Firmino – na modalidade omissiva (passiva). 
Nessa senda, a imputação contra os policiais militares CB PM Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo e SD PM PAULO RÉGIS de Oliveira, subsomem-se a trans-
gressões análogas ao delito de tortura na modalidade probatória, cuja ação consiste em constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, 
causando-lhe sofrimento físico ou mental, cuja finalidade específica é a obtenção de informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa. 
De outra sorte, as imputações em desfavor dos militares estaduais SD PM Francisco Jales Renovato Júnior e SD PM João Victor Machado Firmino, amol-
dam-se a transgressões assemelhadas ao delito de tortura na modalidade omissiva, cuja conduta não exige finalidade específica, consistente em “nada fazer”, 
quando tinham o dever de evitá-la (garante). Nessa perspectiva, dada a relevância do ocorrido, cabe discorrer que a conduta dos aconselhados, na forma 
praticada nos autos, amoldam-se, formal e materialmente, a tipos penais previstos na Lei n.º 9.455/1997; CONSIDERANDO que a prática da tortura reves-
te-se de tal gravidade que a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, inc. III, prevê que é direito fundamental do ser humano não ser torturado. Além 
disso, o inc. XLIII do mesmo excerto considera o crime em comento como inafiançável e insuscetível de graça e anistia. Portanto, a Lei de Tortura atende a 

                            

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