85 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº017 | FORTALEZA, 24 DE JANEIRO DE 2023 garante, que “deve responder por esse delito, em paridade de tratamento com os autores diretos do crime”; CONSIDERANDO que não se pode olvidar que, abstraindo-se do mundo jurídico, o militar que presencia o cometimento de conduta ilícita por seu superior hierárquico fica em uma situação extremamente delicada, tendo em vista a incidência dos rígidos preceitos da hierarquia e disciplina que regem as Instituições Militares. Todavia, tais preceitos não podem servir de escudo para a prática de abusos e arbitrariedades. Assim sendo, inobstante a hierarquia e disciplina não poderem ser utilizadas de salvo-conduto para a prática de atos ilícitos, ainda que perpetrado por superior hierárquico, também não seria proporcional uma sanção mais rígida para os subordinados que somente presenciaram o fato; CONSIDERANDO que, dessa maneira, independentemente de quem as comete, o policial militar que presencia agressões tem o dever de agir para evitá-las. Caso não aja, comete transgressão passível de reprimenda. No caso, a conduta dos 02 (dois) aconselhados envolveu um fator relevante que coibiu suas ações e que influenciou sobremaneira nas suas omissões, ou seja, a condição de superior hierárquico de um dos agressores, que, naquele momento, exercia a função de comando sobre os demais aconselhados. Na mesma esteira, posicionou-se o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT): “[…] PENAL E PROCESSO PENAL. TORTURA. CONDENAÇÃO. RECURSO DOS RÉUS E MINISTÉRIO PÚBLICO. AUTORIA. DESCLASSIFICAÇÃO. COMPETÊNCIA. PERDA DO CARGO. TORTURA COMISSIVA E OMISSIVA. PROPORCIONALI- DADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. 1. SE HÁ PROVAS SUFICIENTES DE QUE O APELANTE SUBMETEU AS VÍTIMAS A SOFRIMENTO FÍSICO E PSICOLÓGICO COM A FINALIDADE DE OBTER INFORMAÇÃO E CONFISSÃO, SUA CONDUTA SE SUBSUME AO DELITO DE TORTURA, E NÃO LESÃO CORPORAL OU ABUSO DE AUTORIDADE. O POLICIAL MILITAR QUE DEIXA DE AGIR PARA EVITAR AS AGRESSÕES PERPETRADAS POR OUTRO MILITAR RESPONDE POR OMISSÃO, POIS TEM O DEVER LEGAL DE PROTEGER A SOCIE- DADE. 2. O CRIME DE TORTURA É COMUM NÃO TENDO CORRESPONDENTE NO CÓDIGO PENAL MILITAR, DEVENDO SER PROCESSADO E JULGADO PERANTE A JUSTIÇA COMUM E NÃO ESPECIALIZADA, COMO A CASTRENSE. DE IGUAL MODO, TRATANDO-SE DE DELITO COMUM, A COMPETÊNCIA PARA DECRETAÇÃO DA PERDA DO CARGO É DA JUSTIÇA COMUM. 3. EM QUE PESE A GRAVIDADE DA OMISSÃO DO POLICIAL NO CRIME DE TORTURA PERPETRADO POR OUTRO POLICIAL, NÃO SE PODE APENÁ-LO COM A MESMA INTEN- SIDADE IMPOSTA AO AUTOR DO CRIME DE TORTURA NA SUA MODALIDADE COMISSIVA, RAZÃO PELA QUAL PODE SER AFASTADA O DECRETO DE PERDA DO CARGO E A INTERDIÇÃO PARA SEU EXERCÍCIO PELO DOBRO DO PRAZO EM HOMENAGEM AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 4. NÃO HÁ ÓBICE LEGAL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO SE O CONDENADO POR CRIME DE OMISSÃO EM DELITO DE TORTURA PREENCHE OS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS INSCULPIDOS NO ART. 44, DO CÓDIGO PENAL. […] (Acórdão nº 647853, nº 20090110660850APR, Relator JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, julgado em 17/01/2013, DJ 24/01/2013 p. 360)”. (grifou-se); CONSIDERANDO que, em que pese o cometimento das infrações supramencionadas, quando se delineou os fundamentos fáticos e de direito demonstrando a culpabilidade do CB PM Feitosa e do SD PM Régis, não se alcançou, ao revés, o mesmo grau de culpa em relação aos outros acusados (SD PM Firmino e SD PM Renovato), notadamente, em vista das circuns- tâncias do caso, conforme expendido outrora. In casu, a dinâmica dos fatos é claramente reveladora dos propósitos do CB PM Feitosa e do SD PM Régis, ante suas condutas comissivas, e do SD PM Firmino e do SD PM Renovato, com suas omissões. Nessa senda, a robusta prova testemunhal/material constante nos autos comprova que os acusados, recalcitrantes ao cumprimento do que prevê a lei, demonstraram evidente prática transgressiva; CONSIDERANDO que, conforme se depreende dos próprios depoimentos dos aconselhados, nada de ilegal foi encontrado em posse da vítima, não sendo comprovada qualquer participação com o tráfico de drogas ou envolvimento com alguma organização criminosa, e sequer fora conduzida à Delegacia Especializada, pelo contrário, após a sessão de espancamento foi liberada no local.; CONSIDERANDO que a culpabilidade dos policiais militares, ora processados, é inescusável, posto que, na condição de agentes da segurança pública, têm o dever de agir com prudência, preservando a ordem pública e promovendo o bem-estar da sociedade, buscando com o máximo esforço não proceder de forma contrária. As provas existentes nos autos vão de encontro às afirmações constantes nas razões finais de defesa dos aconselhados. Assim sendo, da análise do caderno processual, conclui-se que a materialidade e a autoria transgressiva restaram plenamente comprovadas, ante a vasta documentação acostada. Cabe, pois, concluir que no caso em comento, o conjunto probatório carreado nos autos demonstra, inequivocamente, as condutas descritas na Portaria Inaugural; CONSIDERANDO que, apesar de os aconselhados refutarem a autoria das transgressões, devemos entender tal negação como exercício do nemo tenetur se detegere, ou seja, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, levando-se ao extremo a aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e da presunção do estado de inocência. Nessa toada, a prova testemunhal, notadamente os depoimentos da vítima e das testemunhas de acusação, aliada à prova material, qual seja o laudo de exame de corpo de delito, subsistiram imprescindíveis para o esclarecimento do ocorrido, atribuindo com solidez a autoria aos acusados. Portanto, o conjunto probatório amealhado aos autos demonstraram a dinâmica em que as condutas ilícitas se consumaram, evidenciam a culpabilidade dos aconselhados na medida de suas respectivas condutas; CONSIDE- RANDO que, na mesma perspectiva, necessário sublinhar ainda que o valor probatório dos indícios colhidos durante a fase inquisitorial tem a mesma força que qualquer outro tipo de prova, com a ressalva de não serem analisados de forma isolada, posto que devem ter coerência com as demais provas (MIRABETE, 2007); CONSIDERANDO que, nessa senda, calha ressaltar a unicidade e harmonia dos depoimentos, seja em sede inquisitorial, seja neste Processo Admi- nistrativo Disciplinar, demonstrando, assim, que as provas depõem contra os acusados, sendo reiteradas neste processo sob o pálio do contraditório, afastando assim, qualquer condenação baseada na exclusividade da prova indiciária, sem no entanto, desmerecer sua importância; CONSIDERANDO que, nesse contexto, o julgador apreciará a prova pericial, indicando na decisão os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo. Ademais perícia alguma vincula o julgador, que pode formar sua convicção a partir dos demais elementos do processo. Este posicionamento é reiterado pela jurisprudência: “3. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos. (TRF4, AC 5022927-03.2017.4.04.9999, Relator(a): [P.] AFONSO BRUM VAZ, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Publicado em: 21/09/2017)” (grifou-se); CONSIDERANDO que, em relação as transgressões relacionadas ao delito de estupro, atente está que os tipos penais/transgressivos mencionados são totalmente incompatíveis com o desempenho da atividade policial militar, posto que foram praticados em circuns- tâncias degradantes para a vítima; os motivos fúteis, insignificantes, manifestamente desproporcionais em relação aos resultados produzidos, demonstrando insensibilidade moral dos agentes; e as consequências dos crimes se revelaram sórdidas e verdadeiramente desarrazoadas, ensejando alto grau de reprovação por parte da sociedade, uma vez que o comportamento da vítima em nada concorreu para a altíssima gravidade das agressões sofridas, seja nas lesões corpo- rais ou no estupro; CONSIDERANDO que não subsiste a alegação apresentada pelos aconselhados e por seus respectivos defensores de que as denúncias formuladas pela vítima foram motivadas por um certo sentimento de retaliação em decorrência das ações repressivas por eles empreendidas na localidade em que se deram os fatos, o que teria causado prejuízo aos criminosos atuantes na área e atraído o desejo de vingança contra os policiais; CONSIDERANDO que as alegadas contradições suscitadas pela defesa nos depoimentos da vítima e de algumas das testemunhas não tiveram o condão de afastar as acusações de violência mediante o emprego de força física (vis absoluta) capaz de dificultar, paralisar ou impossibilitar a real ou suposta capacidade de resistência da vítima, resultando em vias de fato ou lesão corporal, e sexual praticadas contra a ofendida, visto que, apesar do intervalo de tempo entre os termos de decla- ração prestados pela Sra. A. G. C. L., a descrição dos fatos e a identificação de seus autores não se alteraram substancialmente a ponto de afastar a materia- lidade e a autoria transgressiva. Além disso, os testemunhos apontados como pontualmente contraditórios foram dados por pessoas que afirmaram nem mesmo terem presenciado o ocorrido, mas que teriam tomado conhecimento por intermédio de terceiros; CONSIDERANDO que, muito embora os acusados em geral não estejam obrigados a se autoincriminarem em decorrência do princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), ou seja, a produzir prova contra si mesmo (nem o suspeito ou indiciado, nem o acusado, nem a testemunha, etc), causa certa estranheza que os policiais militares CB PM Feitosa e SD PM Régis tenham, ao menos até o desfecho do processo administrativo, declinado da oferta da Comissão Processante para a submissão, sem qualquer ônus pecuniário, aos exames de comparação com os vestígios biológicos coletados na vítima. Obviamente que, do princípio acima mencionado somado à presunção de inocência, depreende-se que da não colaboração do suspeito ou acusado com a produção de qualquer tipo de prova incriminatória não se pode inferir qualquer tipo de presunção contrária ao réu, muito menos a presunção de culpabilidade; CONSIDERANDO que o delito de estupro foi praticado em concurso entre o CB PM Feitosa e o SD PM Régis. Assim sendo, conforme o Art. 226, inc. I, do CP, se o crime é cometido em concurso de duas ou mais pessoas, aumenta-se a pena pela quarta parte. Esse aumento de pena tem fundamento na maior facilidade obtida pelo agente no emprego dos meios de execução do deleito. Como bem observou André Estefam, “a coparticipação de duas ou mais pessoas no proceder dirigido à violação da dignidade sexual, sem dúvida, facilita a subjugação do ofendido” (ESTEFAM, André. Direito Penal – Parte Especial – Volume 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 145); CONSIDERANDO ser pacífico na jurisprudência que, em crimes contra a dignidade sexual, frequentemente cometidos às ocultas, à míngua de testemunhas, as declarações da vítima possuem inegável alcance, em especial quando harmônicas e coesas entre si e estejam em sintonia com outros elementos jungidos ao processo, como ocorre na hipótese dos autos, revestindo-se de especial valor probante, formando um conjunto probatório suficientemente hábil a fundamentar a edição de decreto condenatório, especialmente quando postas em confronto entre si e com as demais provas, não havendo motivos para desacreditá-las no caso concreto dada a precisão de detalhes fornecidos pela vítima; CONSIDERANDO que a vítima descreveu minunciosamente a dinâmica dos fatos, o que foi corroborado pela prova testemunhal, não havendo que se falar em insuficiência de provas para amparar a condenação; CONSIDERANDO que se depreende dos autos que a vítima não pode oferecer resistência à ação dos aconselhados, pois estava com sua capacidade diminuída pela coação moral e real ante o temor fundado no receio de se ver agredida ainda mais ou ainda de ser presa ilegalmente com base em um flagrante armado, tendo em vista que estava acuada em uma residência na qual não haviam outras pessoas senão ela e os policiais militares acusados, sendo gravemente ameaçada, constrangida e intimidada; CONSI- DERANDO que, desde a antiguidade, o crime sexual se apresenta como um grave problema que aflige a sociedade, compreendendo um ato consistente ou não no contato físico, compreendendo vítimas de várias idades e de ambos os sexos, sendo considerado como um tipo de comportamento agressivo bastante reprovado socialmente. Em regra, é cometido na clandestinidade quando a vítima não tem condições de clamar por socorro ou mesmo para se defender;Fechar