DOE 05/04/2023 - Diário Oficial do Estado do Ceará
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XV Nº066 | FORTALEZA, 05 DE ABRIL DE 2023
CONTROLADORIA GERAL DE DISCIPLINA DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PENITENCIÁRIO
O CONTROLADOR GERAL DE DISCIPLINA, no uso das atribuições que lhe confere o Art. 5º, inc. I, da Lei Complementar n° 98, de 13 de junho de 2011
c/c Art. 32, inc. I da Lei Nº13.407, de 02 de dezembro de 2003, CONSIDERANDO os fatos consignados no Processo Administrativo Disciplinar registrado
sob o SPU Nº17750999-6, instaurado com fulcro na Portaria Nº2379/2017 – CGD, publicada no D.O.E CE Nº228, de 07 de dezembro de 2017, visando
apurar a responsabilidade disciplinar do militar estadual CB PM JOSÉ THIAGO ROCHA DA SILVA, o qual, quando de folga e à paisana, no dia 18 de
outubro de 2017, foi preso e autuado em flagrante na 23ª Delegacia de Polícia Civil da cidade de Salgueiro-PE, por infração aos crimes tipificados nos Arts.
288-A do CPB (Constituição de milícia privada) e Art. 16 da Lei 10.826/2006 (Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito). Segundo a exordial, foi preso
juntamente com o encimado militar, o indivíduo Ernandes Matias Barros, vulgo “Nandinho”, por haver substanciais indícios de comporem uma quadrilha
de assaltantes a bancos e carros fortes, com planejamentos e lideranças de atos criminosos, figurando também como líder da quadrilha o presidiário em
Salgueiro/PE, Francisco Brasilino Ferreira Júnior, vulgo “Xuxa”, o qual tem estreita relação de amizade com o supracitado PM. Consta ainda no ato inaugural
do PAD que compunham também a referida quadrilha os indivíduos Cicero Márcio da Silva, vulgo “Nego Tita”, Ricardo Ramos Ferreira, vulgo “Mago
Cearense” e Cleiton Rocha dos Santos, os quais ocupavam os veículos S/10 e Fox, no que, diante de um confronto com guarnições da PMPE, no dia 17 de
outubro de 2017, tombaram mortos os 02 (dois) primeiros indivíduos, enquanto o último conseguiu empreender fuga. Na operação desencadeada pela PMPE,
fora apreendido vasto material utilizado pela quadrilha, tais como: Fuzis, pistolas, munições, explosivos, coletes balísticos, HT, grampos para furar pneus,
balaclavas e celulares. Encontra-se também deduzido na Portaria que, no momento da lavratura do flagrante contra o policial militar já mencionado, foi
apreendida uma pistola cal. 40, marca Taurus, modelo 840, número SFX 26330 da PMCE c/ 03 carregadores e 01 carregador de pistola cal. 380; CONSI-
DERANDO que, em consequência de tais condutas, o CB PM José Thiago Rocha da Silva figurou como réu, ao lado de outros acusados, no Processo Criminal
Nº001848-10.2017.8.17.1220, no qual foi denunciado pelo crime de Organização Criminosa (art. 2º, § 2º da Lei 12850/2013) e porte ilegal de arma de fogo
de uso restrito (art. 16 da Lei Nº10826/2006). A Comissão solicitou autorização ao juízo criminal para utilização do referido processo penal como prova
emprestada. O pedido de compartilhamento foi deferido (fls. 246) e a cópia dos autos do Processo Criminal foi juntada às fls. 247-mídias; CONSIDERANDO
que o processado foi devidamente citado (fls. 56/57), ofereceu Defesa Prévia (fls. 110/119) e apresentou Alegações Finais (fls. 356/357). A defesa indicou
03 (três) testemunhas (fls. 257/258, 259/260 e 260/261) e a Comissão colheu outros 05 (cinco) depoimentos (fls. 214/215, 216/217, 250/251, 252/253 e
254/255). O interrogatório do acusado situa-se às fls. 262/264; CONSIDERANDO que, ao julgar o feito em Sessão de Deliberação e Julgamento (fl. 360),
a Trinca Processante entendeu que o acusado é culpado das acusações e está incapacitado para permanecer no serviço ativo da PMCE. Na sequência, foi
elaborado Relatório Final (fls. 361/379) com a fundamentação da sanção demissória sugerida; CONSIDERANDO que, quando os autos se encontravam
conclusos para julgamento, a defesa apresentou requerimento para que o parecer da Comissão Processante fosse revisto em razão da sentença absolutória
favorável ao CB PM José Thiago, proferida posteriormente ao Relatório Final deste PAD, decisão na qual o magistrado também reconheceu a nulidade de
provas colhidas do aparelho celular de Thiago na data de sua prisão. A defesa anexou ainda aos autos Certidão de Trânsito em julgado da sentença absolutória
(fl. 431). Destacam-se especificamente os seguintes trechos do veredito judicial: “[…] II-DO DIREITO II.1 - PRELIMINARMENTE Inicialmente, acolho
a preliminar de nulidade da prova, mais especificamente, os áudios de fls. 51. Compulsando o processo, observa-se que o documento foi anexado pela auto-
ridade policial aos autos aos 19 de outubro de 2017 e, conforme depoimento do delegado, obtido no dia da prisão do réu José Thiago Rocha da Silva. Porém,
a autorização judicial para acessar a eventuais aparelhos telefônicos somente foi proferida aos 25/10/2017, não devendo, dessa forma, ser considerada prova
válida, consoante entendimento jurisprudencial dominante no âmbito dos Tribunais Superiores. Assim, declaro a nulidade da prova constante à fl. 51, que
deverá ser desentranhada do processo e desconsiderada pelo magistrado por ocasião da decisão de mérito […] III - DISPOSITIVO Diante do exposto, julgo
improcedente a denúncia, absolvendo os réus Francisco Brasilino Ferreira Júnior, José Thiago Rocha da Silva, Ernandes Matias Barros, Cícero Márcio da
Silva e Cleiton Rocha dos Santos das imputações constantes na denúncia diante da ausência de provas suficientes para uma condenação […]”; CONSIDE-
RANDO que, após o caderno processual retornar à Comissão Processante para deliberação quanto ao requestado pela defesa, a trinca elaborou Relatório
Complementar (fls. 432/434) mantendo a sugestão demissória sob os argumentos de que “o parecer da Comissão Processante contido em relatório final às
fls. 361/379 desfavorável ao acusado no caso em exame, está prevista no Código Disciplinar, Lei Nº13.407/03 dentre aquelas passíveis de imposição diante
da gravidade das faltas cometidas, não havendo que se falar em infringência aos princípios da legalidade e da segurança jurídica. Não se deve confundir o
poder disciplinar, exercido pela Administração, com o poder punitivo do Estado, aplicado por intermédio da Justiça Criminal, tendo, ao contrário do susten-
tado pelo autor, o parecer da comissão, como já exposto, sido devidamente fundamentado e motivado. Verifica-se, por meio das cópias da sentença (fls.
403/427) prolatada nos autos do Processo-crime Nº0001848-10.2017.8.17.1220 (fls. 281/291), que tramitou perante a Vara Criminal da Comarca de Salgueiro/
PE, a absolvição do acusado com base no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, isto é, não existir prova suficiente para a condenação […]
Além de os militares estaduais terem regramento próprio (Lei Nº13.407/2003), o Código Civil (art. 935) e a Lei Nº13.869/2019 (art. 7º) estabelecem a inde-
pendência das instâncias […] Assim, pelo exposto, entende esta 7ª Comissão de Processo Regular Militar em manter o parecer exarado em relatório final às
fls. 361/379, pelos mesmos fundamentos de fato e de direito ali descritos, mantendo-o incólume quanto a culpabilidade do acusado e de sua não permanência
nas fileiras da gloriosa Polícia Militar do Ceará […]” Em suma, os membros da Comissão Processante se ativeram como justificativa para a manutenção da
sugestão de demissão na independência das esferas administrativa e judicial, contudo, silenciaram quanto a prova declarada nula em sede criminal e utilizada
neste PAD; CONSIDERANDO que, em que pese assista razão à Comissão Processante quanto ao argumento da independência relativa das instâncias, cumpre
desde já destacar que as provas declaradas pelos órgãos jurisdicionais como ilícitas ou nulas não podem ser utilizadas, valoradas ou aproveitadas de qualquer
forma nos processos administrativos disciplinares. Tanto a Constituição Federal dispõe no Art. 5º, LVI, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas
por meios ilícitos, como o Supremo Tribunal Federal fixou tese com repercussão geral na ARE 1.316.369 (Tema 1238), nos seguintes termos: “São inad-
missíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”. Sem embargo, o reconhecimento superve-
niente da nulidade de dados extraídos do celular do processado (conversas de áudio de Whatsapp) implica num dever de desconsideração da prova
compartilhada. Noutros termos, apesar de tal prova ainda não ser considerada nula quando utilizada pela comissão ao elaborar o relatório final às fls. 361/379,
a declaração de nulidade posterior reclama que não se possa acolher o parecer sugestivo de demissão. Ressalve-se que por não ser nula ao tempo do relatório,
os membros da trinca não praticaram nenhuma ilegalidade; CONSIDERANDO que, em caso assemelhado ao dos presentes autos, o STJ exarou a seguinte
decisão reconhecendo a nulidade da prova ilícita resultante de acesso a dados do aparelho telefônico sem autorização judicial, conforme ementa que segue:
“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO E QUADRILHA. APARELHO TELEFÔNICO APREENDIDO. VISTORIA
REALIZADA PELA POLÍCIA MILITAR SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU DO PRÓPRIO INVESTIGADO. VERIFICAÇÃO DE MENSAGENS
ARQUIVADAS. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE. PROVA ILÍCITA. ART. 157 DO CPP. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. Embora a
situação retratada nos autos não esteja protegida pela Lei n. 9.296/1996 nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo telefônico por
meio de interceptação telefônica, ou seja, embora não se trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações, prevista no art. 5º, inciso XII, da
CF, houve sim violação dos dados armazenados no celular do recorrente (mensagens de texto arquivadas – WhatsApp). 2. No caso, deveria a autoridade
policial, após a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados armazenados, haja vista a garantia, igualmente constitucional,
à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso X, da CF. Dessa forma, a análise dos dados telefônicos constante dos aparelhos
dos investigados, sem sua prévia autorização ou de prévia autorização judicial devidamente motivada, revela a ilicitude da prova, nos termos do art. 157 do
CPP. Precedentes do STJ. 3. Recurso em habeas corpus provido, para reconhecer a ilicitude da colheita de dados do aparelho telefônico dos investigados,
sem autorização judicial, devendo mencionadas provas, bem como as derivadas, serem desentranhadas dos autos” (Recurso em Habeas Corpus Nº89.981 –
MG. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgado em 05/12/2017); CONSIDERANDO que, abstraindo-se a prova eivada de ilicitude, que não
pode influenciar de modo algum o mérito, ainda que indiretamente, forçoso reconhecer que não existem elementos autônomos que confirmem a hipótese
acusatória e sustentem uma decisão de caráter demissório ao militar acusado, mormente em relação às transgressões de maior gravidade aventadas a título
de acusação. Pontos como sua confissão em sede de auto de prisão em flagrante não tem força probatória suficiente para lhe impor uma responsabilização,
uma vez que ele negou os fatos na fase acusatória, bem como disse ter confessado apenas por ter sofrido pressão dos policiais que efetuaram sua prisão;
CONSIDERANDO que, por outro lado, restou caracterizada a transgressão apontada pela comissão no relatório final, a qual não guarda pertinência com a
prova anulada, de “manter relações de amizade ou exibir-se em público com pessoas de notórios e desabonados antecedentes criminais ou policiais, salvo
por motivo relevante ou de serviço”, prevista no Art. 13, §2º, LVII da Lei Nº13.407/03. Todavia, tal falta funcional é de natureza média e, além de não ensejar
demissão, já se encontra prescrita, por ensejar no máximo uma sanção de permanência disciplinar, consoante o Art. 42, inciso II, punição que possui prazo
prescricional de 03 (três) anos, de acordo com o Art. 74, II, §1º, alínea “b”, todos da Lei Nº13.407/03; CONSIDERANDO que, a respeito da pistola apreen-
dida com o acusado, restou comprovada que tal arma pertence do acervo da PMCE e estava sob a responsabilidade do processado mediante termo de
compromisso (fl. 131), conforme ofício do Comando do 13º BPM (fl. 348), unidade de lotação do acusado; CONSIDERANDO que, quanto aos demais
materiais bélicos encontrados com o CB José Thiago Rocha da Silva, conforme auto de apreensão de fl. 24 – um carregador de pistola calibre 380 e 30
munições de calibre 38, bem como um como uma espingarda de pressão com luneta (cujo porte não constitui crime) –, o acusado assumiu em seu interroga-
tório (fls. 262/264) que estava apenas com a pistola da PMCE e com a espingarda de pressão, nada mencionando acerca do carregador de pistola 380 e das
munições de calibre .38. A defesa se limitou a negar, em sede de manifestação preliminar (fl. 115) que o acusado estivesse com qualquer outro equipamento
bélico senão a arma funcional do acervo da PMCE. Assim, no que concerne a essa parte da acusação, especificamente quanto ao carregador de calibre 380
e 30 munições de calibre 38, residem provas suficientes nos autos para reconhecer uma transgressão disciplinar equiparada ao crime de porte ilegal de arma
de fogo, previsto no Art. 14 da Lei Nº10.826/06, situação na qual ainda incide a causa de aumento de pena prevista no Art. 20, I, do mesmo diploma repres-
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