DOU 10/04/2024 - Diário Oficial da União - Brasil

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Nº 69, quarta-feira, 10 de abril de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
corpo, liberdade de expressão da identidade de gênero e orientação afetiva, emocional e/ou
sexual, o reconhecimento do direito à autodeterminação de gênero e sexualidade da
população LGBTQIA+ e a garantia, sem discriminação, de estudo, trabalho e demais direitos
previstos em instrumentos legais e convencionais concernentes à população privada de
liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração eletrônica em geral, bem
como a garantia de direitos específicos da população LGBTQIA+ nessas condições;
CONSIDERANDO o disposto na Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril
2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação- CNCD/LGBT e do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária-CNPCP/MJ, publicada no DOU de
17/4/2014;
CONSIDERANDO o teor da Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/
DEPEN, que trata dos procedimentos quanto à custódia de pessoas LGBTI no sistema
prisional brasileiro, atendendo aos regramentos internacionais e nacionais, publicada no
DOU de 3/4/2020;
CONSIDERANDO as decisões do Supremo Tribunal Federal-STF, com força
vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública
Federal, Estadual e Municipal, proferidas:
- na Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI 4.277-DF, Relator Ministro
Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJE de 14/10/2011, segundo a qual o STF assentou a
proibição da discriminação das pessoas em razão do gênero, bem como da orientação
afetiva, emocional e/ou sexual;
- na Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI 4275, Relator p/ Acórdão
Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe de 7/3/2019, na qual o STF decidiu que o
direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero,
manifestação da própria personalidade da pessoa humana;
- na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão-ADO 26, na qual o
STF declarou a omissão do Estado brasileiro em proteger as pessoas LGBTQIA+,
concluindo pela subsunção das condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos
primários de incriminação definidos em legislação penal já existente, a saber, a Lei
7.716/89 - Lei do Racismo -, até que sobrevenha legislação autônoma editada pelo
Congresso Nacional;
CONSIDERANDO a necessidade de garantir
nas unidades prisionais a
dignidade e a segurança das pessoas LGBTQIA+, pois é necessário considerar não
apenas a intersexualidade, a identidade de gênero e a orientação afetiva, emocional
e/ou sexual, mas também sua segurança social, psíquica e corporal; resolve:
Art. 1º Estabelecer os parâmetros de acolhimento das pessoas LGBTQIA +
em privação de liberdade no Brasil.
Da custódia
Art. 2º O reconhecimento da pessoa como parte da população LGBTQIA+
será feito exclusivamente por meio de autodeclaração, que deverá ser colhida pelo(a)
magistrado(a) em audiência, em qualquer fase do procedimento penal, incluindo a
audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena,
garantidos os direitos à privacidade e à
integridade da pessoa declarante. Nos casos em que o(a) magistrado(a), por
qualquer meio, for informado(a) de que a pessoa em juízo pertence à população
LGBTQIA+, deverá cientificá- la acerca da possibilidade da autodeclaração e informá-la,
em linguagem acessível, os direitos e garantias que lhe assistem.
Parágrafo único. A informação autodeclarada poderá ser armazenada em
caráter restrito, ou mesmo ser mantida sigilosa.
Art. 3º O local de privação de liberdade será definido pelo(a) magistrado(a)
em decisão fundamentada após questionamento da preferência da pessoa presa, que
poderá ocorrer em qualquer momento do processo penal ou da execução da pena,
assegurada, ainda, a possibilidade de alteração. A preferência de local de detenção
declarada pela pessoa constará expressamente da decisão ou sentença judicial que
define o local de privação de liberdade.
Parágrafo único. O direito à escolha da unidade deverá ser assegurado
especificamente às pessoas autodeclaradas mulheres e homens transexuais, travestis,
pessoas transmasculinas e pessoas não-binárias.
Art. 4º A alocação da pessoa autodeclarada parte da população LGBTQIA+
em estabelecimento prisional, determinada pela autoridade judicial após escuta à
pessoa interessada, não poderá resultar na perda de quaisquer direitos relacionados à
execução penal em relação às demais pessoas custodiadas no mesmo estabelecimento,
especialmente quanto
ao acesso
ao trabalho, à
educação, atenção
à saúde,
alimentação, assistência material, social, religiosa, condições de cela, banho de sol,
visitação e outras rotinas existentes na unidade.
Art. 5º O(a) magistrado(a) deverá explicar, em linguagem acessível, a estrutura
dos estabelecimentos prisionais disponíveis na respectiva localidade, da localização de
unidades masculina e feminina, da existência de alas ou celas específicas para a população
LGBTQIA+, bem como dos reflexos dessa escolha na convivência e no exercício de direitos.
Art. 6º Unidades, alas ou celas específicas para as pessoas LGBTQIA+ em privação
de liberdade não devem se destinar à aplicação de medida disciplinar ou de qualquer
método coercitivo para outras pessoas privadas de liberdade, bem como não devem se
destinar à segregação de pessoas acusadas de crimes contra a dignidade sexual.
§1º Em hipóteses excepcionais, tais como superlotação nos espaços destinados a
pessoas LGBTQIA+ ou risco pessoal a estas pessoas provocado por motins, rebeliões ou outras
situações semelhantes, poderão estas pessoas ser alocadas em espaços (unidades, alas ou
celas) que não lhe são destinadas especificamente, desde que resguardadas sua integridade
física e direitos estabelecidos, após decisão fundamentada e aprovada pelo(a) gestor(a) da
unidade prisional, desde que em caráter temporário não superior a 30 (trinta) dias, até
encaminhá-las para o devido acolhimento, nos termos preconizados nesta resolução.
§2º A Administração Penitenciária deverá comunicar o juízo responsável acerca da
excepcionalidade da medida prevista no §1º em até 24 (vinte e quatro) horas para homologação.
§3º O prazo estabelecido no §1º pode ser prorrogado mediante decisão
judicial fundamentada.
§4º Após o decurso do prazo estabelecido no §1°, quando da apreciação da
prorrogação do período, o magistrado deverá avaliar a possibilidade de aplicar a monitoração
eletrônica às pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade que se encontrarem em risco efetivo.
Art. 7º As pessoas intersexo serão encaminhadas à unidade feminina caso se
identifiquem com o gênero feminino ou à unidade masculina, caso se identifiquem com
o gênero masculino, podendo optar, na unidade que escolherem, pela custódia no
convívio geral ou em alas ou celas específicas.
Art. 8º Caberá ao(à) magistrado(a) indagar à pessoa autodeclarada parte da
população gay, lésbica, bissexual, assexual ou pansexual acerca da preferência pela custódia
no convívio geral ou em alas ou celas específicas. Nestes casos não haverá escolha em relação
à unidade prisional, mas apenas em relação a alas ou celas específicas, devendo a pessoa ser
alocada em unidade masculina ou feminina, conforme sua identidade de gênero.
§1º O homem cisgênero gay
deverá ser encaminhado para unidade
masculina, pois se identifica com o gênero masculino, podendo optar pela custódia no
convívio geral ou em alas ou celas específicas;
§2º A mulher cisgênero lésbica deverá ser encaminhada para unidade
feminina, pois se identifica com o gênero feminino, podendo optar pela custódia no
convívio geral ou em alas ou celas específicas;
§3º As pessoas cisgênero bissexuais,
assexuais ou pansexuais serão
encaminhadas à unidade feminina caso se identifiquem com o gênero feminino ou à
unidade masculina, caso se identifiquem com o gênero masculino, podendo optar, na
unidade que escolherem, pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas.
Art. 9º Em relação às pessoas transexuais, travestis, transmasculinas e não-
binárias, para garantir os direitos à integridade sexual, à segurança do corpo, à
liberdade de expressão da identidade de gênero e ao reconhecimento do direito à
autodeterminação de gênero, cabe ao(à) magistrado(a) indagar à pessoa assim
autodeclarada acerca da preferência pela custódia em unidade feminina ou masculina
ou específica, onde houver, e na unidade escolhida, preferência pela detenção no
convívio geral ou em alas ou celas específicas, inclusive em ala específica para pessoas
transgênero, onde houver.
§1º Travestis e mulheres transexuais devem ser orientadas sobre todos os
riscos que envolvem a tomada da decisão, e será facultada a escolha da unidade,
feminina ou masculina, que ficará a cargo da própria pessoa.
§2º Homens transexuais e pessoas transmasculinas devem ser orientados
sobre todos os riscos que envolvem a tomada da decisão, e será facultada a escolha
da unidade, feminina ou masculina, que ficará a cargo da própria pessoa. Na hipótese
de escolha por unidade masculina, o alerta sobre os riscos deverá conter a informação
de que podem não haver policiais penais femininas lotadas no local.
§3º Pessoas trans autodeclaradas não-binárias e que não se identificam nem
com o gênero masculino, nem com o feminino, devem ser orientadas sobre todos os
riscos que envolvem a tomada da decisão, devendo ser observados os seguintes
critérios:
I - da forma com que a pessoa escolheu construir/performar publicamente
sua identidade, considerando sua expressão de gênero; e
II - da forma com que a pessoa construiu sua autoimagem na forma de se
apresentar publicamente.
§4º É recomendável que pessoas trans autodeclaradas não-binárias que
foram designadas homens ao nascer (AMAB) e que por escolha própria mantêm
características alinhadas
ao gênero
masculino, sejam
encaminhadas ao
espaço
destinado a este gênero, assim como aquelas designadas mulheres ao nascer (AFAB) e
que mantenham, por escolha própria, características alinhadas ao gênero feminino,
sejam encaminhadas ao espaço destinado a este gênero.
Art. 10. O(a) gestor(a) prisional ou responsável pela inclusão na unidade
deve
alocar a
pessoa LGBTQIA+
em conformidade
com a
decisão judicial
que
determinou a prisão, independentemente de retificação de documentos ou da
realização ou não de cirurgia de redesignação sexual.
Parágrafo único. Havendo omissão na decisão judicial de encaminhamento
ao sistema prisional sobre a autodeclaração de pessoa LGBTQIA+ ou, ainda, divergência
entre o que fora decidido e o que é informado na entrada na unidade, deverá o(a)
gestor(a) da unidade alocar a pessoa em local que preserve sua segurança e
imediatamente informar o Juízo da Execução, para a correspondente deliberação.
Art. 11. Deve
ser viabilizada a criação e/ou
a implementação de
estabelecimentos penais específicos, alas ou celas de convívio LGBTQIA+ nas unidades
penitenciárias femininas ou masculinas para promover a segurança e a integridade das
pessoas 
transexuais,
travestis, 
transmasculinas
e 
não-binárias,
em 
razão 
da
especificidade da sua identidade de gênero.
Parágrafo único: A criação de qualquer espaço específico de privação de
liberdade destinado à pessoas LGBTQIA+ deve atentar para a descentralização
geográfica necessária com vistas à permanência da pessoa presa em local mais próximo
possível ao seu meio social e familiar.
Da autodeclaração de pessoa LGBTQIA+
na hipótese de suspeita de
falsidade
Art. 12. Na hipótese de fundada suspeita de falsidade na autodeclaração de
pessoa LGBTQIA+, deverá ser instaurado procedimento apuratório pelo Juízo da
Execução Penal, com jurisdição sobre a unidade prisional, garantido o contraditório e
a ampla defesa à pessoa declarante.
§ 1º Considera-se falsa a autodeclaração da pessoa privada de liberdade que
não corresponda à sua vivência, experiências e/ou reconhecimento social como pessoa
LGBTQIA+, para alcançar finalidade diversa de garantia dos direitos à integridade sexual,
à segurança do corpo, à liberdade de expressão de gênero e ao reconhecimento do
direito à autodeterminação de gênero e de orientação afetiva, emocional e/ou
sexual.
§2º O indício de falsidade da autodeclaração poderá ser reportado à
diretoria da unidade prisional por qualquer pessoa em cumprimento de pena na
unidade, qualquer servidor(a) lotado(a) na unidade ou por qualquer meio que possa ser
considerado suficiente para instaurar procedimento apuratório.
§ 3º A diretoria deverá informar ao Juízo da Execução Penal com jurisdição
sobre a unidade acerca da suspeita de falsidade no prazo máximo de 48 (quarenta e
oito horas) a partir da ciência - formal ou informal - da situação.
§ 4º Sobre a situação apurada, devem ser juntados ao processo de execução
penal da pessoa privada de liberdade:
a) parecer de profissional do serviço de psicologia do sistema prisional, observados
os parâmetros das Resoluções do Conselho Federal de Psicologia nº 1, de 22 de março de
1999; Resolução nº 1, de 29 de janeiro de 2018 e Resolução nº 8, de 17 de maio de 2022;
b) parecer de profissional do serviço social do sistema prisional, observados
os parâmetros das Resoluções do Conselho Federal de Serviço Social nº 845, de 26 de
fevereiro de 2018 e nº Resolução nº 615, de 8 de setembro de 2011, e
c) parecer de comissão formada por três pessoas indicadas por entidades
reconhecidamente idôneas de defesa de direitos humanos das pessoas LGBTQIA+
constantes de banco de dados administrado pelo Juízo das Execuções Penais.
§ 5º Os pareceres serão emitidos após entrevistas reservadas com a pessoa
privada de liberdade que se declarou LGBTQIA+, devendo as perguntas focarem em aspectos
de reconhecimento social, de vivência e experiências como uma pessoa LGBTQIA+.
§ 6º Após a emissão dos pareceres, serão ouvidos o Ministério Público e a
pessoa declarante, que deverá sempre ser assistida juridicamente, seja por advogado(a)
de sua livre escolha, seja por representante da Defensoria Pública.
§ 7º Após a instrução, o Juízo da Execução Penal deliberará sobre a
manutenção ou não da pessoa autodeclarada LGBTQIA+ na unidade própria onde
houver, ou masculina ou feminina ou na ala ou cela de convivência específica,
conforme o caso.
Do direito ao nome social
Art. 13. Na unidade escolhida, a pessoa transexual, travesti, transmasculina
ou não-binária tem direito à inclusão de seu nome social em todos os documentos
produzidos e usados na unidade e, ainda, a ser chamada pelo nome social indicado,
mesmo que em desacordo com o registro civil, por todos(as) os(as) policiais penais e
demais profissionais envolvidos na execução penal.
Art. 14. O registro de admissão no estabelecimento prisional deverá conter
campo específico para abranger a política de nome social, que indique a identidade
reivindicada pela pessoa admitida no estabelecimento prisional. Caso não conste da
guia de recolhimento à prisão, a informação deverá ser providenciada, inclusive, com
solicitação ao Juízo da Execução Penal.
Art. 15. É assegurada a gratuidade na emissão e retificação de documentos
civis das pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade, caso seja de seu interesse,
providência que pode ser adotada pelo serviço social do sistema penal ou parcerias
institucionais (art. 11, VII, c, da Resolução CNJ nº 348/2020).
Da busca ou revista pessoal
Art. 16. Busca ou revista pessoal é o ato de inspecionar o corpo e as vestes
de uma pessoa com o intuito de preservar a segurança ou para encontrar algo que
configure ilícito penal ou infração administrativa.
Art. 17. A busca pessoal em pessoa intersexo será realizada por policial penal
masculino no caso de a pessoa revistada identificar-se com o gênero masculino, ou por
policial feminina, na hipótese de a pessoa revistada identificar-se com o gênero feminino.
Art. 18. A busca pessoal em pessoas cisgênero será realizada de acordo com
a identidade de gênero da pessoa abordada.
§ 1º A busca pessoal em homem cisgênero gay se dará por policiais penais
masculinos e em mulheres cisgênero lésbicas ocorrerá por policiais penais femininas,
habilitados(as) a fazer a revista.
§ 2º A busca pessoal em pessoas cisgênero bissexuais, assexuais ou
pansexuais será realizada por policiais penais femininas, caso a pessoa revistada se
identifique com o gênero feminino ou por policiais penais masculinos, na hipótese de
se identificarem com o gênero masculino, em ambos os casos, por policiais com
habilitação para fazer a revista.
Art. 19. A busca pessoal em pessoas transgênero será realizada de acordo
com a identidade de gênero da pessoa revistada.
§ 1º Mulheres transexuais e travestis serão revistadas por policiais penais femininas;
§ 2º Homens transexuais e pessoas transmasculinas serão revistados por
policiais penais femininas;
§ 3º Pessoas não-binárias serão revistadas por policiais penais femininas,
caso tenham sido designadas mulheres ao nascer ou por policiais penais masculinos,
caso 
tenham
sido 
designados
homens 
ao 
nascer,
sem 
que
isso 
signifique

                            

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