DOU 23/09/2024 - Diário Oficial da União - Brasil
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Nº 184, segunda-feira, 23 de setembro de 2024
ISSN 1677-7042
Seção 1
428. Face ao exposto, é possível verificar influência direta do governo chinês nas
decisões das empresas atuantes no setor siderúrgico.
4.1.1.4.4. Das práticas distorcivas do mercado
429. Inicialmente, é importante notar que a concessão de subsídios per se não é
suficiente para caracterizar que não prevalecem, em determinado segmento produtivo,
condições de economia de mercado. Com efeito, os Acordos da OMC estabelecem aqueles
subsídios considerados proibidos
e acionáveis para fins de
aplicação de medidas
compensatórias, sem qualquer consideração a respeito da prevalência ou não de condições de
economia de mercado naquele setor. Desde 1995, vários países onde indiscutivelmente
prevalecem condições de economia de mercado foram afetados por medidas compensatórias
impostas por outros Membros da OMC, como União Europeia (e países individuais como
França, Itália, Bélgica e Alemanha), Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul, Emirados Árabes e o
próprio Brasil (OMC).
430. Contudo, a variedade e o nível de concessão de subsídios, em conjunto com
outras formas de intervenção governamental, poderão resultar em tamanho grau de distorção
dos incentivos que, no limite, acabam fazendo com que deixem de prevalecer condições de
economia de mercado em determinado segmento.
431. De fato, todos os dados apontam para um alto nível de concessão de subsídios
do setor siderúrgico chinês. Estudos mostraram que proporção significativa do lucro das
empresas decorre de subsídios governamentais, e que as formas de concessão são as mais
variadas possíveis. Adicionalmente, no período pós crise financeira a concessão de subsídios
parece ter se acelerado, o que pode ser atestado pelo número de casos de medidas
compensatórias iniciados contra a China nos últimos anos. Com base em dado extraído do
Integrated Trade Intelligence Portal (I-TIP) da OMC, referente aos códigos SH 72 e 73, foram
iniciadas 103 investigações de subsídios sobre as importações chinesas de aço e 93 medidas
aplicadas até 28 de fevereiro de 2024.
432. A esse respeito, vale recordar a investigação de subsídio acionável nas
exportações para o Brasil de produtos laminados planos, de aço ligado ou não ligado, de largura
igual ou superior a 600 mm, laminados a quente, em chapas (não enrolados) de espessura
inferior a 4,75 mm, ou em bobinas (em rolos) de qualquer espessura, originários da República
Popular da China, e de dano à indústria doméstica decorrente de tal prática (processo). O
período de análise do subsídio foi 2015, que, como visto, foi o auge da participação chinesa na
produção mundial de aço.
433. Naquela oportunidade, o DECOM concluiu que, dos 25 programas de subsídios
acionáveis identificados no início da investigação, 11 geraram benefícios às empresas
investigadas cooperantes. Foram eles: (1) Empréstimos Preferenciais; (2) Seguro e Garantia ao
Crédito de Produtos Exportados; (3) Injeções de Capital; (4) Subsídios Previstos na "Law of The
People's Republic of China on Enterprise Income Tax"; (5) Deduções do Imposto sobre o Valor
Agregado (VAT); (6) Isenção de Imposto de Importação e Imposto sobre o Valor Agregado
(VAT); (7) Fornecimento pelo Governo Chinês de Bens e Serviços a Preços Reduzidos (terrenos,
recursos minerais, energia elétrica); (8) Fundo para Projetos Tecnológicos; (9) Fundo para
Redução da Emissão de Gases e Conservação de Energia; (10) Fundos para Desenvolvimento do
Comércio Exterior; e (11) Fundo para Controle da Produtividade.
434. Tais dados e informações evidenciam a grande variedade e o elevado nível de
concessão de subsídios para o setor de aço chinês, gerando distorções de tal magnitude que
acabam por contribuir para que não prevaleçam condições de economia de mercado nesse
segmento produtivo. Em especial, verificou-se naquela ocasião que dois programas de subsídio
conferiam elevado benefício às empresas investigadas: Empréstimos Preferenciais e
Fornecimento pelo Governo Chinês de Bens e Serviços a Preços Reduzidos (terrenos, mais
especificamente).
435. Especificamente sobre a utilização de terrenos, no âmbito da investigação de
subsídios conduzida pelo DECOM, restou demonstrado como estão estabelecidos os direitos de
uso e a propriedade estatal, conforme excertos do Parecer do DECOM já referido:
599. A terra na China é de propriedade do Estado, de acordo com o disposto no art.
10 da Constituição Chinesa. Nos termos do referido dispositivo, e de modo geral, os terrenos
localizados em áreas urbanas são de propriedade do governo central e os terrenos localizados
em áreas rurais ou suburbanas são de propriedade dos governos provinciais ou das
"coletividades locais". Ademais, em investigação conduzida pelo "Department of Commerce",
dos Estados Unidos da América, em investigação de subsídios concedidos pelo governo chinês,
o DOC se manifestou da seguinte forma:
"As an initial matter, we note that private land ownership is prohibited in the PRC
and that all land is owned by some level of government, the distinction being between land
owned by the local government or 'collective' at the township or village level and land owned
by the national government (also referred to as state-owned or 'owned by the whole
people').
600. Conforme relatório "Asia News", de janeiro de 2015, a empresa de consultoria
alemã Beiten Burkhardt explica brevemente as formas de concessão dos direitos de uso da
terra pelo governo chinês para projetos industriais:
"In order to use Chinese land for construction projects, one must obtain land use
rights classified as either "granted" or "allocated". Allocated land use rights are only provided
for special purposes, including military use and key projects in the areas of energy,
communications and water use. Granted land use rights are issued for a certain period of time
against payment of a fee, and the terms are documented contractually. The contract terms and
related title documents also stipulate the designated land use, for example, residential or
industrial. The grant term of the land use rights depends on the designated purpose of the use
of the land".
601. Assim, as políticas industriais chinesas determinam que os governos central e
locais devem alocar, de modo preferencial, terrenos para o desenvolvimento de indústrias
prioritárias, entre elas a indústria siderúrgica. Além disso, a Decisão no 40, do Conselho de
Estado Chinês, determina que os governos de todas as províncias, regiões autônomas e
municipalidades devem formular políticas sobre o uso da terra para implementar as políticas
industriais chinesas, que designam a indústria siderúrgica como uma indústria prioritária. Como
exemplos de política implementada de acordo com tal orientação, tem-se o "Iron and Steel
Industry Adjustment and Revitalization Plan Outline ", da província de Jiangsu, que determina
que as agências governamentais devem dar prioridade para o uso da terra para projetos da
indústria siderúrgica, e o "Iron and Steel Industry Adjustment and Revitalization Plan", da
província de Guangdong, o qual determina que o governo provincial incentive grandes plantas
siderúrgicas a se estabelecerem em áreas específicas.
436. No caso do programa de empréstimos preferenciais investigado pelo DECOM
no âmbito do caso de laminados a quente, também foi possível encontrar elementos concretos
acerca dos subsídios que beneficiam o setor siderúrgico:
309. Nesse sentido, além de controlar os principais bancos do mercado chinês, o
Governo da China também influencia as decisões dos agentes bancários por meio da lei "Law of
the People's Republic of China on Commercial Banks", que dispõe em seu artigo 34 sobre a
obrigatoriedade de os bancos atuarem em conformidade com a orientação da política
industrial do Estado, conforme transcrito abaixo:
Article 34 Commercial banks shall conduct their business of lending in accordance
with the needs of the national economic and social development and under the guidance of the
industrial policies of the State. (grifo nosso)
310. Insta salientar que tal artigo não faz distinção entre bancos comerciais estatais
e bancos comerciais ditos privados, o que só reforça a constatação de que o sistema bancário
chinês, como um todo, se sujeita às diretrizes do Estado.
[...]
314. Ainda quanto à intervenção no sistema bancário, o documento "IMF Working
Paper - Financial Distortions in China: A General Equilibrium Approach" 20, de 2015, aponta
como as principais distorções existentes do sistema financeiro chinês, que potencializaram o
crescimento do país, o controle das taxas de juros pelo Banco Central Chinês, além da "garantia
implícita" de que o governo jamais deixaria que uma empresa estatal não pagasse seus
empréstimos:
While a succession of market-oriented reforms has transformed China into the
second largest economy in the world, financial sector reforms have been lagging behind.
Interest rates used to be heavily controlled and had been liberalized only gradually. Even more
entrenched is the system of implicit state guarantees covering financial institutions and
corporates (particularly state-owned), giving an easier access to credit to entities perceived to
be backed by the government. Why have these distortions survived for that long, even as the
rest of the economy has been undergoing a transition to a market-oriented system? They have
been an integral part of the China's growth story. Low, administratively-controlled interest
rates have worked in tandem with distortions artificially boosting saving rates. Both reduced
the cost of capital to support what has long been the highest investment rate in the world.
Widespread implicit state guarantees further supported credit flow and investment,
particularly when export collapsed after the Global Financial Crisis. This mechanism
supercharged China's growth liftoff.
315. Este documento aponta ainda que as garantias implícitas dadas pelo Governo
da China e o acesso privilegiado ao crédito beneficiaram principalmente, mas não
exclusivamente, as empresas estatais.
Implicit guarantees distort lending decision. With the guarantees, there is incentive
for creditors to lend more (and more cheaply) to those perceived to be guaranteed, regardless
of the viability or project. Indeed, there is evidence that SOEs have enjoyed better access to
finance than their private counterpart.
316. Diante do exposto, tem-se que o sistema financeiro chinês não é regido pelas
regras de mercado, mas sim pelo Governo daquele país, tanto através da sua regulação quanto
através da participação governamental nas instituições financeiras chinesas.
317. Nesse sentido, há elementos que indicam claramente que a indústria
siderúrgica chinesa foi beneficiada com empréstimos preferenciais concedidos pelos bancos
chineses para implementação dos objetivos estabelecidos nas políticas industriais do país,
conforme descrito no item 4.1 deste Parecer.
[...]
322. Como já dito, o documento ""Guiding Opinions on Resolving the Problem of
Severe Excess Capacity" apresenta como uma das estratégias indicadas para a solução do
problema de excesso de capacidade produtiva a concessão de empréstimos para aumentar o
nível tecnológico das empresas. Elementos dos autos apontam ainda que o governo chinês
emitiu listas de empresas, contendo diversos produtores de aço, para as quais seriam
concedidos empréstimos preferenciais com o objetivo de levá-las a adquirir novos
equipamentos para melhorar a qualidade dos seus produtos e reduzir o consumo de energia.
437. Em resumo, foi possível concluir que o Estado chinês, em todos os níveis de
Governo, concede subsídios em grande montante e de formas variadas. Ademais, ainda
existem restrições importantes ao investimento estrangeiro voltado ao setor. Estes
instrumentos se juntam à ampla atuação do Estado já relatada, seja diretamente por meio das
estatais, seja indiretamente por meio, por exemplo, dos Comitês do Partido Comunista, para
compor um quadro final de distorção significativa das condições de economia de mercado no
setor siderúrgico chinês.
438. No que se refere a investigações antissubsídios conduzidas por outros países e
à constatação da existência de práticas distorcivas no segmento de folhas metálicas, a
peticionária também apresentou outros documentos que teriam sido citados na investigação
antissubsídios nas exportações de folhas metálicas conduzida pelo DoC. O DECOM procedeu à
análise desses documentos conforme detalhamento a seguir.
439. A CSN forneceu o documento "Notificação da Comissão Nacional de
Desenvolvimento e Reforma sobre a Redução das Tarifas de Geração de Energia a Carvão e
Preços de Eletricidade para Indústria e Comércio em Geral (2015)" que prevê redução do preço
nacional da eletricidade para geração de energia a carvão.
440. Além disso, apresentou o documento "Notificação do Ministério de Terras e
Recursos sobre o Ajuste da Política de Implementação do Padrão de Menor Preço para a
Transferência de Terras Industriais (2009)" que estipula preço mínimo para a venda de terra
para projetos industriais
441. Em 5 de janeiro de 2024, o DoC publicou a determinação final da investigação
de subsídios sujeitos a medidas compensatórias concedidos aos produtores da China que
exportaram para os EUA folhas metálicas. A autoridade investigadora estadunidense reafirmou
o entendimento de que haveria interferência estatal na economia chinesa, no setor siderúrgico
e mais especificamente no segmento produtivo de folhas metálicas.
442. No nível macroeconômico, o DoC concluiu que o setor de energia elétrica e
preço de terra na China seriam distorcidos em consequência da influência do Estado:
As discussed in the Post-Preliminary Analysis, record evidence continues to indicate
that the GOC, through the NDRC and the provincial governments, maintained a major role in
the regulation and control of electricity prices even though the commercial and industrial rates
were removed. {Chinese Communist Party (GOC) / National Development and Reform
Commission (NDRC)}.
(...)
The Land Benchmark Analysis was prepared to assess the continued application of
Commerce's land for LTAR benchmark methodology, as established in 2007 in Sacks from
China. In Sacks from China, we determined that Chinese land prices are distorted by the
significant government role in the market (...)
443. O mesmo ocorreu com o mercado chinês de minério de ferro e carvão de
coque que, por sua vez, influencia mais diretamente no setor siderúrgico:
As discussed in the Preliminary Determination, the GOC did not provide requested
information regarding the production or consumption of coking coal or iron ore in China or
involvement of the GOC or GOC-owned enterprises in the coking coal or iron ore industries. As
AFA, we determined that the GOC markets for iron ore and coking coal are distorted. (notas de
rodapé omitidas).
444. No que diz respeito ao segmento produtivo de folhas metálicas, o DoC
reafirmou o entendimento de que os financiamentos a esse setor são passíveis de medidas
compensatórias, conforme explicitado a seguir:
For this final determination, we are continuing to find that policy loans to the tin
mill products industry are countervailable (...)
(...)
there is sufficient record evidence to determine that financial support is directed
towards specific encouraged industries listed in the GOC's Directory Catalogue on
Readjustment of Industry Structure (Guidance Catalogue), and that this assistance is de jure
specific. Specifically, the Guidance Catalogue lists "iron and steel" as an industry for priority
development. Moreover, the Decision of the State Council on Promulgating the Interim
Provisions on Promoting Industrial Structure Adjustment for Implementation (Decision 40)
identifies the Guidance Catalogue as "the important basis for guiding investment directions and
for the governments to administer investment projects, to formulate and enforce policies on
public finance, taxation, credit, land, import and export, etc." In addition, Decision 40 indicates
that projects in "encouraged" industries will "be provided credit support in compliance with
credit principles."
Jingtang Iron argues that the Catalogue for the Guidance of Foreign Investment
Industries lists "metal packing products" instead of "tin mill products" or iron and steel
products. Commerce finds this argument unavailing since other documents on the record,
including the Thirteenth Five-Year Plan and the Fourteenth Five-Year Plan, which encourage the
development of the iron and steel industries, as discussed in the Post-Preliminary Analysis.
Moreover, as discussed above, the Guidance Catalogue lists iron and steel as industries for
priority development. (notas de rodapé omitidas).
445. A autoridade investigadora dos EUA também concluiu que o setor produtivo
de folhas metálicas teria sido beneficiado por isenções de imposto de importação e sobre valor
agregado (VAT) incidentes na importação de equipamentos:
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