7 DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO | SÉRIE 3 | ANO XVII Nº010 | FORTALEZA, 15 DE JANEIRO DE 2025 GRAHA, ou seja, “SATYA (Verdade) implica o amor AGRAHA (Firmeza) que é o sinônimo de força, ou melhor, a força que nasce da verdade e do amor”. É uma questão que depende do compromisso e da participação de toda sociedade. É bastante conhecida a máxima gandhiana: “seja você a mudança que deseja para o mundo”, chamando a atenção que é uma responsabilidade individual e coletiva, é uma tarefa de todo cidadão e da sociedade como um todo. As reflexões de Boff (2008) sobre o conceito de “Cultura de Paz” fornece subsídios para este Parecer e esta Resolução de Direitos Humanos, Cultura de Paz e Justiça Restaurativa, que são normativos centrados em valores, comportamentos e relações que podem incentivar práticas no cotidiano da comunidade, pois, ainda como nos aponta Boff (2008, p. 27) “… a Paz não nasce por ela mesma. Ela é sempre fruto de valores, comportamentos e relações que são vividos …”. Para Boff, (2008, p. 30 e 31), “a essa cultura de violência há que se opor a Cultura de Paz” e lança a seguinte pergunta: “Onde buscar inspirações para a construção de uma Cultura de Paz?” E o próprio autor responde: “Primeiro, na nossa própria vontade. Se não quer a Paz, nunca se alcança. Em seguida, é no próprio processo antropogênico, quer dizer, no processo pelo qual se torna humano dentro da evolução”. Frequentemente acusa-se a proposta de não violência de idealista e utópica, de fato o que é ilusório é trabalhar a violência com mais violência, na realidade ela só atrai mais violência, agrava os conflitos. Se aparentemente resolve uma situação de imediato, o problema a médio e longo prazo só aumenta, a construção de uma Cultura de Paz é, sim, a porteira da nova História. Como muito bem afirmou Joddy Willians, Prêmio Nobel da Paz (1997), por seu trabalho para a eliminação das minas terrestres: “A paz já não é uma expressão da vontade dos poderosos, mas uma expressão da vontade coletiva de se viver em paz. Todos juntos somos uma superpotência!” (WILLIANS apud BOYES-WATSON e PRANIS, Kay. 2021, p. 323). 2.3 Justiça Restaurativa Justiça Restaurativa é uma mudança de paradigma, princípios e práticas na direção da promoção de uma Cultura de Paz e da busca da garantia de Direitos Humanos. É um conjunto de teorias e de metodologias ativas construídas coletivamente a partir de pressupostos e valores humanos, voltados para a solução pacífica dos conflitos que favorecem o senso de comunidade, o acolhimento, a escuta qualificada e o diálogo. Existem muitas definições acerca do que é Justiça Restaurativa. No presente Parecer, a fundamentação teórica de base é a de teóricos como Brancher (2008), Howard Zehr (2008, 2014, 2015) e Kay Pranis (2015, 2018), a Justiça Restaurativa é uma abordagem teórica e prática voltadas para a construção de valores humanos e uma excelente ferramenta para a prevenção da violência. É uma ótima oportunidade pedagógica de trabalhar na direção do fortalecimento da Cultura de Paz e da reflexão acerca dos Direitos Humanos com amplo reconhecimento internacional, aplicado em diversos países, principalmente Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá e Brasil. O surgimento do termo “Justiça Restaurativa” é atribuído a Albert Eglash. Marshall Rosemberg quando, em 1998, define Justiça Restaurativa “como um processo que une os grupos afetados por um incidente ofensivo para coletivamente decidirem como lidar com suas consequências e com suas implicações para o futuro” (ROSEMBERG apud BRANCHER, 2008, p. 26). A origem da Justiça Restaurativa como prevenção da violência e método de pacificação de conflitos tem os princípios nas civilizações dos povos originários, que trabalhavam a resolução de seus dilemas por meio de um círculo de conversação. Eles traziam a história de vida dos indivíduos da aldeia, resgatando os princípios e os valores que os uniam. Em algumas etnias indígenas, quando um membro do grupo fazia algo errado, era colocado em um círculo e as demais pessoas falavam a respeito das coisas boas que ele já tinha feito, e todos eram convidados a não só lembrarem os erros cometidos, mas a olhar o indivíduo encarando o ato errado como um pedido de ajuda. Eles acreditam, ainda hoje, que esse ritual colabora para que o ofensor se reconecte com sua verdadeira natureza, que é negativa e ao mesmo tempo positiva, encorajando-o a uma mudança de comportamento, e consideram que o medo, a vergonha e a punição só agravam o problema e não resolvem nada. A partir dessas práticas de povos originários, a Justiça Restaurativa, como a concebe-se hoje, tem como principal metodologia os Círculos de Construção de Paz, por meio dos quais é possível prevenir a violência, restaurar vínculos entre as pessoas, acolher vítimas de atos ofensivos, promover responsabilização e firmar acordos entre todos/as que fazem parte da comunidade. Essa forma de fazer a Justiça Restaurativa vem mudando os paradigmas e a visão cultural, educacional e social, modificando as atitudes, as rotinas e a maneira de agir de muitas pessoas. A Justiça Restaurativa tem como principais teóricos: John Braithwait (2002), Howard Zehr (2008), Mark Umbreit, Sherman e Strang (2005) entre tantos outros que fundamentaram essa forma de fazer justiça inspirada nas etnias indígenas americanas e da África do Sul e do Brasil. Estudos realizados interna- cionalmente têm mostrado a efetividade da Justiça Restaurativa, evidenciando o potencial dos seus princípios e práticas no fortalecimento das relações, do senso de comunidade, na busca da corresponsabilização e do tratamento do dano. Em 1970, pesquisadores em busca de encontrar soluções para a crise dos conflitos resolveram estudar metodologias diferenciadas que auxiliassem no enten- dimento entre os indivíduos envolvidos em violência. Assim, deu-se início ao desenvolvimento de práticas de Justiça Restaurativa nos Estados Unidos da América, que foram propagadas em 1989 para a Nova Zelândia, por meio do processo para o sistema penal da infância e juventude. Em 1990, foi publicada a primeira edição da obra fundamental sobre Justiça Restaurativa: Changing Lenses – A New Focus for Crime and Justice, das ideias de Zehr (2008), em síntese, a importância dos três “R”: Responsabilização, Restauração e Reintegração. Em 1990, por meio da Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul, liderada por Nelson Mandela e Desmond Tutu, a demanda dos estudos dessas metodologias se estendeu para como lidar com a violência. A ONU incentiva seus Estados Membros a conhecerem, divulgarem e aplicarem a Justiça Restaurativa em todos os segmentos da sociedade. Hoje a Justiça Restaurativa está presente em todos os sistemas, seja ele o familiar, educacional, o socioeducativo, o prisional, o da assistência social, o da saúde, o da comuni- dade, enfim, em todas as instituições, programas, projetos, enquanto paradigma a Justiça Restaurativa deve ser estudada e implementada em toda a sociedade. O Conselho Econômico e Social da ONU requisitou, por meio da Resolução nº 26/1999, de 28 de julho de 1999, que considerassem as formulações de padrões no campo da Mediação e da Justiça Restaurativa. Um ano depois, a Resolução nº 14/2000, de 27 de julho de 2000, foi promulgada, com o título “Princípios básicos para utilização de programas restaurativos”. Um dos maiores avanços internacionais e considerados um marco legal é a Resolução nº 212/2002, do Conselho Econômico e Social da ONU. 2.3.1 Histórico da Justiça Restaurativa no Brasil No Brasil, em 2005, por meio dos Projetos Pilotos de Brasília, Porto Alegre e São Caetano do Sul-SP e com o apoio financeiro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), esses estados criaram três projetos pilotos denominados “Justiça para o Século XXI”. Importante destacar as contribuições dos três grandes coordenadores, os juízes Leoberto Brancher, Egberto Penido e Marcelo Salmaso. Em 2006, o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, o próprio Howard Zehr e Marshall Rosenberg realizaram palestras e debates a respeito da Justiça Restaurativa. Para o desembargador Leoberto Brancher, esse momento é um marco de crescimento desse paradigma para todo Brasil. Outros marcos importantes são os advindos da legislação brasileira ao inserir, em 2010, no âmbito do sistema de justiça, a discussão da importância de trabalhar com os meios alternativos de resolução de conflitos. Dessa medida, fortalecida por meio da Resolução nº 125/2010, tem-se a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, no âmbito do Poder Judiciário. Neste Projeto de Resolução considera-se que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, assim como outros métodos consensuais. Na perspectiva de fortalecimento dos princípios e propostas da Justiça Restaurativa foram inseridos na Lei nº 12.594/2012 do Sistema Nacional do Socioedu- cativo–Sinase para o melhor atendimento para as crianças e adolescentes. Em 2014, foi criada a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição, no âmbito do Ministério Público, por meio da Resolução nº 118/2014, pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Em 2015 foi contemplada a Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil). Em 2016, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº225, estabelecendo a Meta 8, que regula a implementação de um Núcleo de Práticas Restaurativas no âmbito do Poder Judiciário em cada estado. Ainda existem poucos operadores do direito e servidores, em geral, preparados para lidar com o conflito utilizando a Justiça Restaurativa, por isso é de grande relevância discutir essa temática no âmbito do direito, da educação e de todos os sistemas, pois a lei é para todos e o conhecimento dela, necessário para poder assegurar os Direitos Humanos. Segundo Brancher (2008, p. 38), os indicadores do nosso Sistema de Justiça Tradicional mostram que a população carcerária e de Centros Socioeducativos aumenta em uma velocidade gigantesca e que o número de reincidência e de agravamento das violações tem crescido com o passar do tempo. Precisa-se encontrar metodologias que favoreçam a resolução dos conflitos e não o aumento de desentendimentos consequentes. Esses dados coletados da pesquisa de monitoramento do projeto “Justiça para o Século XXI” mostram que os adolescentes reiterantes em ato infracional que não participaram de práticas restaurativas no período de estudo reincidiram em 80% do total, enquanto aqueles que participaram de prática restaurativa, comparável no mesmo período, reincidiram em 23%. Na educação, segundo o Relatório do Projeto Escola Mais Paz (2018/2019), da Escola da Magistratura da Ajuris Rio Grande do Sul, encontram-se evidências científicas quando foi verificado um aumento pelos interesses das aulas; um aumento de 40% de respeito pelo professor; um aumento de 35% para ouvir a fala do outro sem desqualificar; um aumento de 22% na forma como o grupo se relaciona sem discriminação; um aumento de 20% de demonstrar solidariedade e preocupação com os outros; um aumento de 15% na capacidade de colaborar e cooperar com os colegas; um aumento de 22% de sentir-se pertencente ao grupo; um aumento de 8% em demonstrar autocontrole ao enfrentar situações de estresse; uma diminuição de 32% na utilização de recursos agressivos e violentos; um aumento de 22% na capacidade de fazer autocrítica e admitir que está errado; um aumento de 22% na habilidade de pedir desculpas na iniciativa de reparar o erro. 2.3.2 Histórico da Justiça Restaurativa no Ceará No Ceará, a valorização dos meios alternativos de solução de conflitos iniciou-se em 1999, nos Programa dos Núcleos de Mediação Comunitária no âmbito Ministério Público. As práticas da Justiça Restaurativa tiveram suas primeiras experiências por iniciativa da sociedade civil, no início de 2011, pela TerreFechar